Seria cômico se não
fosse trágico. Ou vice-versa (ah que diabos...). Mas o fato é que só fazendo um
exercício tradicional de inversão de papéis e caricaturas (isso ficará mais
claro já-já) para termos o mínimo entendimento do modus operandi dessa verdadeira máquina de extermínio
da lógica e do respeito a inteligência alheia. Falo de nossa imprensa. Que
segundo as más línguas é controlada por “meia-dúzia de famiglias”. A questão é
complexa e merece uma reflexão mais detida. O que não é o caso aqui. Nos
contentaremos apenas com alguns pasitos pelo Teatro de Absurdos em que se
transformou a dita-cuja . Talvez assim procedendo seja possível tornar
minimamente compreensível o escandaloso oceano de incoerências no qual chafurda
os pasquins dessa pátria mãe-gentil.
Então, tudo começa assim:
No início da madrugada
do último dia 15 de abril, depois de uma encarniçada batalha voto a voto, o
candidato da direita à presidência, Aécio Capriles vence o candidato da
“esquerda” Dilmo Maduro. O problema – para alguns – é que ao final Capriles
triunfou por pouco mais de 200 mil votos. E aí a história começa de fato. O
Brasil, pois é onde se passa o sucedido, é acusado de padecer de uma ditadura.
Muitas pessoas não entendem tal acusação: no país o voto não é obrigatório, até
os ministros do Supremo são eleitos pelo povo. Fora que as eleições contaram
com o acompanhamento de inúmeros órgãos internacionais de fiscalização.
Mas Dilmo e seus
correligionários não se fazem de rogado: promovem passeatas, panelaços. Comités
do candidato vitorioso são incendiados. Correligionários de Capriles são
agredidos. O candidato derrotado não aceita o revés. Macula todo o processo, de
maneira irresponsável e fascista. Antes de Dilmo, só os militares em golpes
pregressos buscaram violentar com tamanha torpeza a democracia brasileira.
Vocifera que assumirá a presidência nem que tenha que escorraçar Capriles de um
mandato que a nação brasileira lhe conferiu soberana e democraticamente.
Mas como se não bastasse, uma das situações mais bizarras se passa no plano das repercussões dessa crise em outro país de grande importância estratégica na região. Em especial, a abordagem efetuada pela sua chamada “Grande Imprensa”. Iremos agora à Venezuela.
Na Venezuela, o governo
é ocupado há mais de 10 anos por um mesmo partido, o PT, Partido do Trampolim
(dito de esquerda). E por isso ele é acusado pela oposição(risos) e pela grande
imprensa de ter um projeto nefasto de poder, que objetiva a imposição de um
pensamento único. Tudo retratado como uma espécie de Revolução Cultural Venezuelana. Para muitos, o partido teria tornado sistêmica a corrupção no congresso. Isso mesmo levando em consideração o fato de um presidente famoso e intelectual ter sujado as mãos com compra de votos para aprovar a sua reeleição, num ato de banditismo político sem precedentes na história da República. Por muito menos - a compra de um FIAT pelo PêCê Farinha - Fernando Dollar foi afastado do cargo.
Seu principal oponente é
o Partido da Social-Democracia Bolivariana, o PSDêBê. Por outro lado, este
governa há mais de 18 anos um dos estados mais populosos, Carabobo. E aqui
ninguém - nem a imprensa – faz qualquer insinuação de que tal permanência no
poder constitua uma ameaça à democracia, não digo venezuelana, mas carabobense.
Mas o mais importante,
toda a grande imprensa desse país fez intensa campanha de apoio à tentativa de
golpe perpetrado por Dilmo. Praticamente todos proclamam a necessidade de
recontagem dos votos e desfiam a tese de que o Brasil vive uma draconiana
ditadura. Alegam que Aécio se serviu de fraudes, ameaças, coações, compra de
votos.
O mais interessante é
como os órgãos de imprensa buscam fundamentar as suas teses(risos). Para tanto
reverberam a posição imparcial e desinteressada de Cuba, justamente o maior
inimigo do Brasil. Antes mesmo da declaração do vencedor legítimo do pleito, o
porta-voz da Casa Mulata se apressou em exigir a recontagem de votos. Simples
assim. Considerada bastião da democracia, Cuba impõe um desumano bloqueio
econômico de décadas contra o pobre EUA. Pelo simples fato deste não ter
querido se alinhar politicamente com Cuba. No início da década de 60, o
presidente cubano, John Kenny-G só participou ativamente de um plano para
assassinar o então presidente dos EUA, Pitel Castro. Só isso. Como admitir que
um presidente possa participar de um plano de execução física de um adversário
político? O que o diferencia de figuras como Saddam Hussein, Pol Pot, Muamar
Kadafi ou Lampião? Que democracia é essa? Mas em Cuba tudo é possível,
inclusive ter o maior arsenal nuclear do mundo e vários mísseis apontados
contra diversos países afora, e ter a coragem de declarar como ameaça ao mundo
um país que tinha se tanto um barril com produtos químicos numa fábrica
abandonada, como foi o caso do Iraque.
Mas a imprensa
venezuelana não está nem aí para algo como a coerência. Na verdade, se fizermos
um rápido resgate da sua história, veremos que tal imprensa pode ser tudo menos
incoerente. Uma rápida visita à abordagem dela sobre a Revolução(sic)
Redentora(sic) de 64 é mais do que suficiente sobre isso:
O jornal O Planeta assim exaltava o famigerado movimento:
“Ressurge
a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os
patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião
sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei
e a ordem.
Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.
O JV, Jornal da Venezuela, não
pestanejava em seu editorial de 1º de abril daquele ano:
“Desde
ontem se instalou no País a verdadeira legalidade ... Legalidade que o caudilho
não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina
e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado
dos comunistas”
O Correio da Madrugada festejava: "Lacerda anuncia volta do país à
democracia." O Estado de Carabobo não deixava por menos: “Democratas
dominam toda a Nação”. A Folha
de Carabobo arrematava: “São claros os termos do manifesto do
comandante do II Exército. Não houve rebelião contra a lei. Na verdade, as
Forças Armadas destinam-se a proteger a pátria e garantir os poderes
constitucionais, a lei e a ordem”.
Mesmo no fim da ditadura
militar, celebrada por esses órgãos como uma autêntica revolução democrática,
alguns chefetes dessa imprensa não deixaram de expressar a sua lealdade para
com os generais. Talvez o maior deles, Bob Mariño, dono de O Planeta, assinava o seguinte
editorial intitulado “Julgamento da Revolução", de 1984:
"Participamos
da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das
instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves,
desordem social e corrupção generalizada".
Mas não esqueçamos da Revista Vesga. Essa a mais virulenta de
todas. Um dos seus articulistas classifica simplesmente como
narco-militar-terrorista a pseudo (segundo ele) democracia brasileira.
Uma ditadura sangrenta, bestial, que se inspira num bandido, um “porco
fedorento” – assim o articulista se refere a Che Guevara. Outro bastião da
democracia, a revista Vesga vem ganhando notoriedade pelas
sucessivas matérias de cunho racista, homofóbico e golpista na Venezuela. Mas
não é de hoje. A revista criada em fins da década de 60 já fazia das suas. Era
pródiga em publicar fotos e textos pedindo informações “custasse o que
custasse” sobre militantes da esquerda, classificados pela revista Vesga como
verdadeiros “agentes do terror”. Matérias nas quais tais agentes eram sempre
perfilados como “Procurados”. Era a revista criminalizando desde sempre a
resistência contra a ditadura.
Pior: a Vesga não tinha o menor pudor de fazer o
papel de capitão do mato do regime. Numa das suas mais famosas caçadas, o alvo
foi o líder da ALN (Ação de Libertinagem Nacional), Carlos Magrella. Sua morte
foi intensamente festejada pelo pasquim. A edição comemorativa da morte da
“alma da escalada do terrorismo” se constitui num dos maiores atentados aos
direitos humanos. A Vesga assevera que mesmo cercado por 40
policiais, Magrella não se rendeu, para depois complementar: “Ele nem chegou a
pegar sua arma”. Lembra que na Alameda Casa Roxa – local da tocaia - houve um
intenso tiroteio entre a polícia e 13(!?!) homens do “esquema de segurança” de
Magrella. Para logo depois se trair novamente: “Sozinho e confiante,
Carlos Marighella caminhou para o carro onde morreu”.
E como
se não bastasse, a revista ainda estampava para abrilhantar mais ainda a edição
comemorativa, a foto de uma menina e a reprodução da rápida conversa que teve
com sua mãe assim que soube do ocorrido ali mesmo na Casa Roxa:
“Mamãe,
conseguimos. Mataram o Magrella!!!”
E
depois disso tudo, a revista publicaria extensa entrevista com o General
Venezuelano Mérdici, responsável pela imposição do UI-5, detonando uma
verdadeira escalada da repressão e tortura. Não para Vesga. O título da capa mais
uma vez fazia pouco caso da inteligência e dignidade humanas: “O presidente não
admite torturas”.
Com
uma imprensa como essa, golpista até a medula, como não ter pena da Venezuela?
Onde podemos encontrar uma imprensa que defende tortura e golpe como se tivesse
tudo a ver com democracia?
É
difícil entender. Pobre povo venezuelano.....
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