quarta-feira, 17 de abril de 2013

PIG - o exterminador da Verdade









Seria cômico se não fosse trágico. Ou vice-versa (ah que diabos...). Mas o fato é que só fazendo um exercício tradicional de inversão de papéis e caricaturas (isso ficará mais claro já-já) para termos o mínimo entendimento do modus operandi dessa verdadeira máquina de extermínio da lógica e do respeito a inteligência alheia. Falo de nossa imprensa. Que segundo as más línguas é controlada por “meia-dúzia de famiglias”. A questão é complexa e merece uma reflexão mais detida. O que não é o caso aqui. Nos contentaremos apenas com alguns pasitos pelo Teatro de Absurdos em que se transformou a dita-cuja . Talvez assim procedendo seja possível tornar minimamente compreensível o escandaloso oceano de incoerências no qual chafurda os pasquins dessa pátria mãe-gentil.


Então, tudo começa assim:

No início da madrugada do último dia 15 de abril, depois de uma encarniçada batalha voto a voto, o candidato da direita à presidência, Aécio Capriles vence o candidato da “esquerda” Dilmo Maduro. O problema – para alguns – é que ao final Capriles triunfou por pouco mais de 200 mil votos. E aí a história começa de fato. O Brasil, pois é onde se passa o sucedido, é acusado de padecer de uma ditadura. Muitas pessoas não entendem tal acusação: no país o voto não é obrigatório, até os ministros do Supremo são eleitos pelo povo. Fora que as eleições contaram com o acompanhamento de inúmeros órgãos internacionais de fiscalização.


Mas Dilmo e seus correligionários não se fazem de rogado: promovem passeatas, panelaços. Comités do candidato vitorioso são incendiados. Correligionários de Capriles são agredidos. O candidato derrotado não aceita o revés. Macula todo o processo, de maneira irresponsável e fascista. Antes de Dilmo, só os militares em golpes pregressos buscaram violentar com tamanha torpeza a democracia brasileira. Vocifera que assumirá a presidência nem que tenha que escorraçar Capriles de um mandato que a nação brasileira lhe conferiu soberana e democraticamente.


Mas como se não bastasse, uma das situações mais bizarras se passa no plano das repercussões dessa crise em outro país de grande importância estratégica na região. Em especial, a abordagem efetuada pela sua chamada “Grande Imprensa”. Iremos agora à Venezuela.

Na Venezuela, o governo é ocupado há mais de 10 anos por um mesmo partido, o PT, Partido do Trampolim (dito de esquerda). E por isso ele é acusado pela oposição(risos) e pela grande imprensa de ter um projeto nefasto de poder, que objetiva a imposição de um pensamento único. Tudo retratado como uma espécie de Revolução Cultural Venezuelana. Para muitos, o partido teria tornado sistêmica a corrupção no congresso. Isso mesmo levando em consideração o fato de um presidente famoso e intelectual ter sujado as mãos com compra de votos para aprovar a sua reeleição, num ato de banditismo político sem precedentes na história da República. Por muito menos - a compra de um FIAT pelo PêCê Farinha - Fernando Dollar foi afastado do cargo.


Seu principal oponente é o Partido da Social-Democracia Bolivariana, o PSDêBê. Por outro lado, este governa há mais de 18 anos um dos estados mais populosos, Carabobo. E aqui ninguém - nem a imprensa – faz qualquer insinuação de que tal permanência no poder constitua uma ameaça à democracia, não digo venezuelana, mas carabobense.


Mas o mais importante, toda a grande imprensa desse país fez intensa campanha de apoio à tentativa de golpe perpetrado por Dilmo. Praticamente todos proclamam a necessidade de recontagem dos votos e desfiam a tese de que o Brasil vive uma draconiana ditadura. Alegam que Aécio se serviu de fraudes, ameaças, coações, compra de votos.


O mais interessante é como os órgãos de imprensa buscam fundamentar as suas teses(risos). Para tanto reverberam a posição imparcial e desinteressada de Cuba, justamente o maior inimigo do Brasil. Antes mesmo da declaração do vencedor legítimo do pleito, o porta-voz da Casa Mulata se apressou em exigir a recontagem de votos. Simples assim. Considerada bastião da democracia, Cuba impõe um desumano bloqueio econômico de décadas contra o pobre EUA. Pelo simples fato deste não ter querido se alinhar politicamente com Cuba. No início da década de 60, o presidente cubano, John Kenny-G só participou ativamente de um plano para assassinar o então presidente dos EUA, Pitel Castro. Só isso. Como admitir que um presidente possa participar de um plano de execução física de um adversário político? O que o diferencia de figuras como Saddam Hussein, Pol Pot, Muamar Kadafi ou Lampião? Que democracia é essa? Mas em Cuba tudo é possível, inclusive ter o maior arsenal nuclear do mundo e vários mísseis apontados contra diversos países afora, e ter a coragem de declarar como ameaça ao mundo um país que tinha se tanto um barril com produtos químicos numa fábrica abandonada, como foi o caso do Iraque.


Mas a imprensa venezuelana não está nem aí para algo como a coerência. Na verdade, se fizermos um rápido resgate da sua história, veremos que tal imprensa pode ser tudo menos incoerente. Uma rápida visita à abordagem dela sobre a Revolução(sic) Redentora(sic) de 64 é mais do que suficiente sobre isso:

O jornal O Planeta assim exaltava o famigerado movimento:

“Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem.

Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.


O JV, Jornal da Venezuela, não pestanejava em seu editorial de 1º de abril daquele ano:

“Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade ... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”


O Correio da Madrugada festejava: "Lacerda anuncia volta do país à democracia." O Estado de Carabobo não deixava por menos: “Democratas dominam toda a Nação”. A Folha de Carabobo arrematava: “São claros os termos do manifesto do comandante do II Exército. Não houve rebelião contra a lei. Na verdade, as Forças Armadas destinam-se a proteger a pátria e garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem”.


Mesmo no fim da ditadura militar, celebrada por esses órgãos como uma autêntica revolução democrática, alguns chefetes dessa imprensa não deixaram de expressar a sua lealdade para com os generais. Talvez o maior deles, Bob Mariño, dono de O Planeta, assinava o seguinte editorial intitulado “Julgamento da Revolução", de 1984:

"Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada". 


Mas não esqueçamos da Revista Vesga. Essa a mais virulenta de todas. Um dos seus articulistas classifica simplesmente como narco-militar-terrorista a pseudo (segundo ele) democracia brasileira.  Uma ditadura sangrenta, bestial, que se inspira num bandido, um “porco fedorento” – assim o articulista se refere a Che Guevara. Outro bastião da democracia, a revista Vesga vem ganhando notoriedade pelas sucessivas matérias de cunho racista, homofóbico e golpista na Venezuela. Mas não é de hoje. A revista criada em fins da década de 60 já fazia das suas. Era pródiga em publicar fotos e textos pedindo informações “custasse o que custasse” sobre militantes da esquerda, classificados pela revista Vesga como verdadeiros “agentes do terror”. Matérias nas quais tais agentes eram sempre perfilados como “Procurados”. Era a revista criminalizando desde sempre a resistência contra a ditadura.


Pior: a Vesga não tinha o menor pudor de fazer o papel de capitão do mato do regime. Numa das suas mais famosas caçadas, o alvo foi o líder da ALN (Ação de Libertinagem Nacional), Carlos Magrella. Sua morte foi intensamente festejada pelo pasquim. A edição comemorativa da morte da “alma da escalada do terrorismo” se constitui num dos maiores atentados aos direitos humanos. A Vesga assevera que mesmo cercado por 40 policiais, Magrella não se rendeu, para depois complementar: “Ele nem chegou a pegar sua arma”. Lembra que na Alameda Casa Roxa – local da tocaia - houve um intenso tiroteio entre a polícia e 13(!?!) homens do “esquema de segurança” de Magrella. Para logo depois se trair novamente: “Sozinho e confiante, Carlos Marighella caminhou para o carro onde morreu”.

E como se não bastasse, a revista ainda estampava para abrilhantar mais ainda a edição comemorativa, a foto de uma menina e a reprodução da rápida conversa que teve com sua mãe assim que soube do ocorrido ali mesmo na Casa Roxa:

“Mamãe, conseguimos. Mataram o Magrella!!!”


E depois disso tudo, a revista publicaria extensa entrevista com o General Venezuelano Mérdici, responsável pela imposição do UI-5, detonando uma verdadeira escalada da repressão e tortura. Não para Vesga. O título da capa mais uma vez fazia pouco caso da inteligência e dignidade humanas: “O presidente não admite torturas”.


Com uma imprensa como essa, golpista até a medula, como não ter pena da Venezuela? Onde podemos encontrar uma imprensa que defende tortura e golpe como se tivesse tudo a ver com democracia?


É difícil entender. Pobre povo venezuelano.....



* Leonardo Soares é flamenguista, professor e historiador. Ou seja: um perfeito sofredor!

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